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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O despertar

Vinícius Viana tinha 26 anos, mas aparentava ter 32. Desde novo tivera que trabalhar para ajudar a sustentar a família. Há um ano mora junto com sua noiva, Isabelle, em um apartamento na zona leste da cidade. Uma pequena cidade.

Isabelle era uma mulher comum, ruiva de olhos castanhos, magra de meia estatura. Conhecera Vinícius fazia 3 anos durante um passeio pela Praça das Flores. Foi paixão à primeira vista, mesmo os dois não acreditando nisso. O tempo passou, promessas foram feitas e o noivado se concretizou. Era feliz, mas algo a incomodava e ela não sabia o que. Sentia que algo estava para acontecer, mas não acreditava em pressentimentos.

Certa manhã de primavera Vinícius saiu para o trabalho. Ele estava adiantado, nunca saía esse horário, mas ele queria sair de sua casa o quanto antes. Trabalhava em um escritório imobiliário e para lá chegar precisava atravessar toda a cidade. Na realidade ele mais ficava em seu escritório do que em sua casa. O noivado ia bem, mas o trabalho para ele era fundamental. Quando Isabelle reclamava de sua ausência ele dizia que para haver casamento era necessário dinheiro e ela então aceitava, apesar de preferir o ter mais ao lado do que ter um casamento na Igreja.

Caminhava estranhando o ar carregado que entrava em seus pulmões. O sol às vezes aparecia entre as nuvens de chuva que atormentavam a região nos últimos dias. Foi então que aquele instante se tornara único em sua vida. Caminhando sob as folhas já caídas pela proximidade da troca da estação, ditando a freqüência de seus passos ao vê-la não pôde ditar seu coração. Aqueles olhos enigmáticos, escuros e misteriosos o hipnotizaram. De onde viera tal olhar? Quem era aquela mulher tão discreta e ao mesmo tempo tão notável?

Por um momento o tempo parou. Já se perdia no compasso dos seus passos, nos seus pensamentos e na sua emoção. Assim como o ar dá vida ao corpo, o brilho dos olhos daquela jovem moça o dava vida à alma.

Nunca tivera visto aquela jovem que aparentava ter 19 anos. Loira, olhos pretos, lábios vermelhos, alta e charmosa. A atração que ele sentiu não foi pelo seu corpo jovem ou pela sua bela conjuntura, era algo além e ele precisava entender o que era.

No momento em que tornou à realidade Vinícius viu que aquele anjo, como ele quis denominar, seguia um caminho diferente do seu. Não hesitou, abriu mão do emprego, dos compromissos e a seguiu. Queria saber aonde ela iria, com quem e como, talvez assim ele pudesse descobrir um pouco mais sobre ela, o anjo.

Ela então parou no ponto de ônibus. Vinícius se manteve distante, mas totalmente ligado àquela jovem que aparentou estar triste. Podia se notar os olhos inchados, ela havia sim chorado. Ele se preocupou, como nunca havia se preocupado com ele ou até mesmo com Isabelle. Isso por um momento o chocou. O que afinal ele estava fazendo ali, que atração ele tinha por aquela jovem moça, o que ele pretendia? Que ligação era aquela?

O ônibus não chegava e aquela demora o afligia. A vontade que ele tinha era de sair dali e voltar pra sua vida. Aquilo só poderia ser uma loucura, o efeito colateral de algum remédio que Isabelle por insistência o mandava consumir. Um terrível sentimento de culpa veio ao seu coração, mas ele não sabia o porquê de todos esses sentimentos estarem aflorando do seu íntimo.

Culpa, era isso que ele sentia. Como se a troca de olhares, os passos até aquela linda mulher tivessem sido uma traição.

Quando olhou novamente para a jovem seus olhares se encontraram. Ele sentiu seu corpo queimar, não de desejo e paixão, mas pela cólera que ela passava. Por um momento ele sentiu medo, sua culpa aumentou, ele não sabia mais o que estava acontecendo, o que ele fizera e onde ele estava. Uma chuva intensa começou a desabar e aquela jovem não parava de o olhar. Vinícius então saiu correndo, não era um anjo que ele havia visto, mas sim uma assombração. Tão bela por fora, mas tão maldosa por dentro. Era isso que seus olhos haviam revelado.

Vinícius adentrou um bar e pediu uma bebida. Ele precisava se acalmar e esperar a chuva passar. Seu pensamento dava voltas e voltas, seu coração pulava do peito e ele sentia que alguém ainda o observava. Por um instante quis tirar tudo àquilo da sua mente, do seu coração. Queria rir de si mesmo, não era necessário sentir o que ele estava sentindo. Aquela culpa e aquele medo eram coisas de sua cabeça.

A bebida não o acalmou e uma vontade súbita de voltar para casa e ver sua noiva surgiram. Pagou então a conta e saiu correndo. Não se importava mais com a chuva, os raios, ou os carros que ele cortava a frente. A chuva ficou mais forte e ele não conseguia mais correr. Suas pernas doíam, ele não era acostumado a correr tanto, sua respiração ficou ofegante e ao olhar a sua frente a viu, a moça do ônibus. Suas pernas definitivamente enfraqueceram e Vinícius caiu de joelhos no meio da calçada. Começou então a chorar, chorar como nem em sua infância havia feito.

Ele tinha medo, ele queria acordar daquele pesadelo. Abriu então os olhos e levantou a cabeça, ele estava disposto a acabar com aquele sentimento. Não viu mais ninguém a sua volta, a chuva havia diminuído e alguns raios de sol apareciam. Ele então se levantou e seguiu caminhando até sua casa. Ele se sentia melhor, aliviado.

Chegando em casa abraçou Isabelle que nada entendia. Vinícius não sabia explicar o que ele estava passando, não sabia se tudo fora sua imaginação ou se realmente havia acontecido, mas agora ele se sentia vivo. Aquela assombração realmente lhe deu vida e a partir daquele dia Vinícius nunca mais foi o mesmo.

Um comentário:

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