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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O Rio dos Sinos hoje

A situação do Rio dos Sinos preocupa. Em um simples mutirão realizado nesta semana por dezenas de pessoas,  foram retiradas seis toneladas de lixo do percurso do Rio dos Sinos, que abastece mais de 1.500.000 habitantes. “Qual é a nossa responsabilidade com as águas que nós próprios consumimos?”, questiona Jackson Müller, mestre em Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).


Jackson Müller, que já atuou como secretário do Meio Ambiente de Novo Hamburgo e como diretor técnico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental, conversou com a IHU On-Line sobre a atual realidade do Rio dos Sinos e da empresa Utresa. A empresa de Estância Velha foi apontada pelo Ministério Público Estadual e pela FEPAM como a principal responsável pela mortandade de 86,2 toneladas de peixes no Rio dos Sinos em 2006. “Nesses quatro anos muitos foram os avanços positivos e melhorias implementadas”, revela.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a atual situação do Rio dos Sinos?
Jackson Müller - Vejo com muita preocupação a situação do Sinos. Temos um rio que recebe volumes expressivos de esgotos e efluentes não tratados, num período de estiagem, o que agrava a situação da concentração de poluentes e prejudica a qualidade das águas para consumo humano. Há diversos pontos do Sinos que estão sem mata ciliar, com seu leito assoreado, com as margens tomadas de lixo. Não parece o rio que abastece mais de 1.500.000 habitantes. Essa situação gera tristeza e frustração. Qual é a nossa responsabilidade com as águas que nós próprios consumimos? Não cuidamos do Sinos como deveríamos…
IHU On-Line – Após o incidente em 2006, as empresas responsáveis pelo desastre ecológico mudaram suas formas de atuação? Essa postura segue cinco anos depois?
Jackson Müller - Há mais cautela por parte das empresas. Podemos dizer que há um bom grupo de empresários com responsabilidade sócio-ambiental, conscientes de sua responsabilidade e preocupação, que já assimilaram a questão ambiental em seus negócios. Atuam de forma a efetivamente proteger o meio ambiente.
Entretanto ainda há uma parcela de donos de firma, despreocupados, insensíveis com os apelos e necessidades de controle dos seus processos. Por vezes esses grupos acabam maculando a imagem dos bons empresários. É preciso separar esse grupo, com uma fiscalização eficiente e com punição severa.
“Nenhum empresário da bacia do Sinos pode alegar desconhecer os problemas do Sinos e poluir irresponsavelmente as águas que bebemos.”
Do ponto de vista industrial, muitas coisas boas aconteceram. Novas legislações foram criadas e tecnologias mais limpas estão surgindo. Menos desperdício já é uma realidade no setor e a economia de materiais e insumos, em especial de água é uma condição presente em muitas empresas. Temos um bom “know how” no Vale na área de tratamento de efluentes e gerenciamento de resíduos. Precisamos efetivamente assimilar essas mudanças no setor público, mais lento e que sofre os efeitos da descontinuidade administrativa.
As soluções na área ambiental levam mais de quatro anos para se efetivarem. Por vezes a descontinuidade faz com que retornemos ao ponto de partida sem termos chegado à solução da questão. É um eterno recomeçar. Com isso os problemas ambientais se aguçam e se agravam.

IHU On-Line – O que ainda precisa ser revisto para que um outro desastre de tamanha proporção não ocorra?
Jackson Müller - Há muito por fazer. O Sinos sofre com os usos múltiplos de suas águas sem um planejamento mais efetivo. Há muitos remendos. Para atender o setor agrícola remendamos licenças ambientais onde ocorrem incompatibilidades de usos. Para atender as demandas da indústria são autorizados novos empreendimentos onde já existe saturação para lançamentos de efluentes. Liberam-se novos loteamentos onde já estão sufocadas as cidades. Cortam-se florestas para abrir estradas e proporcionar o necessário progresso. Logo, os fins sempre justificam os meios e não chegaremos a lugar algum, senão a um quadro cada vez mais grave e crítico, remendos e mais remendos… Talvez ao ponto de ruptura, que levará necessariamente a uma reversão forçada desse modelo que está posto. As notícias recentes indicam que necessitamos incluir sistemas novos de comando e controle, mais eficientes e menos burocráticos. As cidades crescem independente da ação por vezes inócuo do poder público. Quando presente (o setor público) se amenizam os efeitos negativos da falta de planejamento. Mas efetivamente justificamos a degradação ambiental, do solo, das águas, do ar, da qualidade de vida como inerentes ao progresso que todos desejamos. Isso está errado! Podemos progredir de outra forma, menos agressiva, mais sustentável, conforme a capacidade de suporte do ambiente. Por exemplo: Não podemos continuar estimulando o plantio de arroz nas nascentes do Sinos, assim como devemos exigir o tratamento de esgotos dos municípios e maior fiscalização das indústrias, com a reposição da mata ciliar, cuidados com o lixo, e assim por diante. É necessário agir em várias frentes, ao mesmo tempo. Não podemos ficar esperando que as coisas se resolvam sozinhas.

IHU On-Line – Como podemos analisar a situação da UTRESA atualmente, visto que a empresa foi uma das principais responsáveis pelo desastre ecológico de 2006?
Jackson Müller - A UTRESA apresentava muitas situações críticas quando iniciamos a intervenção judicial em 2006. Mais de 13 locais de vazamentos de líquidos altamente contaminados escapavam para os arroios da região; Valas de disposição de resíduos operavam a céu aberto; resíduos eram enterrados diretamente no chão; muitos ilícitos foram identificados e contidos. Nesses quatro anos muitos avanços também foram obtidos. Novas valas cobertas foram construídas, uma estação de tratamento foi implantada e está operando. Diversas foram as alterações nos procedimentos de controle operacional. Essas mudanças indicavam um caminho positivo de amadurecimento institucional da empresa, uma vez que mais de R$ 20 milhões foram investidos para adequações ambientais e novas construções.
O grande avanço foi o fato de que a intervenção judicial não inviabilizou a empresa, muito pelo contrário, permitiu que ela fosse se ajustando às normas ambientais concomitantemente a geração de receita com sua operação para recuperação dos passivos existentes. Nesses quatro anos muitos foram os avanços positivos e melhorias implementadas. Todos os dias haviam surpresas, tanto positivas como negativas. As investigações que realizamos ainda nos causam surpresa, tamanha a malha de relações existentes entre a UTRESA e outras centrais de resíduos. A auditoria ambiental recentemente concluída traz mais de 15 recomendações para qualificação das estruturas operacionais internas da UTRESA.

IHU On-Line – Recentemente tivemos o caso de um incêndio em uma vala da UTRESA.  O que podemos refletir a partir de mais irregularidades por partes da empresa?
Jackson Müller – Esse episódio deve ser visto como um caso isolado. A Polícia está investigando a situação, mas demonstra, de certa forma que a UTRESA ainda não possui maturidade gerencial para caminhar sozinha, caracterizando um certo retrocesso na sua administração. A falta de um Plano de Prevenção e Controle de Incêndio – PPCI capaz de atender às demandas num caso como o ocorrido, bem como as irregularidades administrativas apontadas, denotam que a empresa ainda precisa ajustar seus procedimentos internos. Essa situação, contudo, não afasta a possibilidade de um incêndio criminoso, praticado para macular a imagem da instituição e das pessoas envolvidas. Há uma concorrência feroz associada ao setor de coleta e destinação de resíduos industriais, movimentando muitos milhões de reais no Vale dos Sinos. A desmoralização da UTRESA poderia estar associada a interesses econômicos. Temos a lamentar esse episódio, especialmente no período em que o mesmo ocorreu. As medidas de controle adotadas permitiram conter o incêndio aos limites da vala, sem lançamentos de líquidos contaminados para arroios ou solo. A gravidade da situação residiu nas emissões de poluentes atmosféricos.

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