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domingo, 3 de outubro de 2010

As marcas eternas do Holocausto. Três depoimentos

Na manhã de primavera do dia 28 de setembro, jovens de 13 e 14 anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Profªa Maria Gusmão Britto de São Leopoldo tiveram a oportunidade de sentir de perto os dramas e as dificuldades vividas por milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial. O encontro foi organizado pelo Instituto Cultural Judaico Marc Chagal, pela Associação Beneficente e Cultural B’nai B’rith do Brasil Região Sul e pela E.M.E.F.

O painel “Holocausto. Compromisso moral e lições de solidariedade” foi um evento não obrigatório para os alunos, entretanto, todos estiveram presentes, tendo a oportunidade de escutar depoimentos de sobreviventes da guerra. Os palestrantes foram Max Wachsman Schanzer, Johannes Melis e Bernard Kats, que sofreram de formas diferentes o drama da perseguição e da morte.

Confira os depoimentos.

Em 1939 foi quando tudo começou.

Nascido em 1928 na Polônia, Max Wachsman Schanzer, vivia com seus pais, dois irmãos e três irmãs. Com o início da guerra, Max e sua família foram confinados. Ele, sua família e mais 40 mil pessoas dividiam um pequeno espaço de trabalho, vivendo em condições desumanas. “Muitas pessoas morreram de fome e de doenças”, conta. Em 1943 os judeus foram convocados para uma seleção pelos nazistas. A família Schanzer não foi. “Os policiais alemães descobriram o nosso esconderijo e separaram minha família. Meus pais foram levados direto para câmaras de gás e eu e meus irmãos para campos de concentração diferentes”, lembra Max.

O trabalho era escravo. Eram mais de 14 horas por dia de labuta e a alimentação consistia em pão e água. “Não sei como sobrevivi. Aquilo lá era uma fábrica de escravos”, conta. Além disto, em 1944, Max foi levado para outro campo de concentração onde eram fabricados tanques e armamentos. Max sofreu. “Eu trabalhava na rua passando um frio brutal. Foi quando resolvi fugir”.

A primeira tentativa de Max foi esconder-se embaixo de um colchão. Foi descoberto. Como forma de punição levou 50 chicotadas, desmaiando na chicotada número 35. No último ano de guerra, 1945, a Alemanha já estava prestes a perder e milhares de pessoas já procuravam formas de fugir, entre eles, Max. “Caminhamos dia e noite sem comida, doentes, fracos e tínhamos que escapar dos bombardeios dos americanos. Éramos 500, sobraram 80. Graças a Deus o inferno estava terminando”. No dia 07 de maio de 1945, data em que foi assinada a rendição da Alemanha, Max foi libertado pelo exército Russo.

Encerrada a guerra Max queria recomeçar sua vida. Iniciou procurando a sua família, encontrando seus irmãos. Com a tensão da Guerra Fria, em 1950, e com o temor de que todo o terror recomeçaria os europeus passaram a migrar para as Américas. “Eu escolhi como destino o Brasil. Em 1953 desembarquei em São Paulo e então viajei para o Rio Grande do Sul onde havia predominância alemã”, conta. Em 1954, Max se mudou para Porto Alegre, onde casou e teve filhos e netos. “Só tenho que agradecer ao Brasil que me acolheu com seu clima tropical e com sua paz. O Brasil é melhor país do mundo, vocês não tem ideia. Aqui é maravilhoso”, finaliza Max.

Um exemplo de solidariedade.

O segundo depoimento foi de Johannes Melis que nasceu na Holanda, país invadido em 1940 pelos nazistas. “Por ter sido invadido posteriormente, nós conseguimos nos preparar. Meu pai fez diversos esconderijos pela casa, no sótão, jardim, na despensa de batatas e embaixo da pia da cozinha. Já minha mãe fez compotas e guardou muitos alimentos”, revela Melis. Seriam necessários muitos esconderijos e muito alimento.

No decorrer da guerra, a família de Melis passou a refugiar judeus e soldados em sua casa. “Eu tremia de medo quando os soldados alemães revistavam nossa casa, pois estávamos dando refugio para muitas pessoas”, conta. Quando os aliados começaram a invadir a Europa foi quando a guerra realmente começou de verdade. Fugindo dos cada vez mais freqüentes embates, Mélis e sua família se esconderam e, descobertos pelo exército aliado, foram salvos. “Viemos então para o Brasil, onde ficamos no Rio de Janeiro e depois fomos para o sul. Não há país como o Brasil”, ressalta. Após a guerra, o pai de Johannes recebeu inúmeras homenagens de autoridades e das famílias das pessoas que a família auxiliou durante a guerra.

As marcas da guerra.

“Durante mais de 50 anos não consegui superar minhas memórias”, inicia Bernard Kats. Holandês e judeu, Bernard tinha somente quatro anos quando a guerra iniciou. Com cinco anos viu seu pai sendo arrancado de casa pelo exército nazista. “Poucas semanas depois uma carta da Cruz Vermelha chegou a nossa casa. Ela dizia que meu pai havia morrido. Até hoje vejo minha mãe na frente de casa com aquela carta na mão. Ela ficou grisalha da noite para o dia”, relembra Bernard.

Bernard teve sete endereços diferentes durante a guerra, tendo sido acolhido junto com sua irmã por uma família protestante. Todas as noites ele falava alguns ensinamentos em hebraico que foram se perdendo com o tempo. “Contudo, a família nos ensinou como agradecer e pedir amparo durante a noite”, conta. Durante o tempo em que ficou escondido na casa dos seus “pais adotivos”, como ele mesmo os trata, Berdard criou laços afetivos com a família. “Eles tinham uma filha e até hoje tenho contato muito forte ela”, revela Bernard, que após o fim da guerra conseguiu migrar para o Brasil. Hoje ele mora com sua família em Porto Alegre.

“Até hoje tenho um sentimento de culpa muito grande dentro de mim. Milhões de pessoas morreram, inclusive parte da minha família. Porque sobrevivi? As marcas da guerra seguem no meu cotidiano, desde a forma como estaciono o meu carro até a necessidade de fechar todas as janelas e persianas no chegar da noite. O nervosismo da guerra ficará para a vida inteira. Para aceitar certas coisas na vida só mesmo com o tempo”, finaliza.

As reflexões.

Questionados se contavam para seus filhos as histórias vividas na Segunda Guerra Mundial, Max Schanzer foi enfático em sua resposta. “É uma obrigação que temos em passar isso para os mais jovens. Precisamos evitar que cresçam ditadores e pensamentos ditatoriais. Não podemos reviver aquele momento da história”, ressalta.

As histórias mexeram com os jovens e adultos que acompanharam as falas com olhos vidrados e respirações silenciosas. Bastava olhar para os lados para perceber que a dor permanecia nos olhos de muitas pessoas ligadas as famílias dos palestrantes, ou então as lágrimas de jovens que não conseguiam medir a intensidade daquelas vivências. “É através deste momento que temos que refletir sobre a tolerância, sobre a aceitação, sem priorizar questões como religião ou raça. Precisamos fazer o mundo mais humano”, ressalta Ieda Gutfreind, presidente do ICJMC.

A troca de experiências entre os alunos e os palestrantes iniciou com uma apresentação de um vídeo sobre o conhecimento dos estudantes sobre o holocausto e foi encerrada com uma apresentação teatral dos alunos, que retratava as dores e a esperança de quem viveu essa terrível parte da história.


Era uma simples manhã nublada que, com certeza, ficará na memória de todos.

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